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PEDRO - BARTOLOMEU DE CAMPOS QUEIRÓS
“Pedro é um nome que a gente conhece em muitas línguas: Pedro, Pierre, Pietro, Peter, Pether, Petrus.
Pedro pintou um dia, em alguma parte do mundo, o retrato de uma borboleta. O papel tinha o tamanho de sua intenção. As cores as de seu desejo. Pintou ainda sobre o papel flores para a borboleta se esconder e galhos para descansar. É mesmo fácil imaginar sua pintura ou fazê-la. Mas a conseqüência não foi tão simples. É melhor saber toda a história.
Pierre acordou com o coração cheio de Domingo. Domingo é dia em que a gente não quer nada, e por isso acontece quase tudo. Não era domingo, mas nesse dia, ele viu o vôo de uma borboleta. (Vôo de borboleta pode transformar qualquer dia em domingo.)
Peter não conhecia muito de borboletas. Borboleta é mesmo um inseto de que a gente gosta muito e conhece pouco. Sabemos que ela é bonita e colorida, como se isso bastasse. Mas a cor que está perto do amarelo, ou depois do azul, é muito difícil de guardar no pensamento. Borboleta é como arco-íris ou bola de sabão: o máximo que sabemos é que tem muita cor.
Pietro ficou na posição de um pintor: muito atento e com os olhos muito abertos para as coisas do mundo. A borboleta, notando a atitude do menino pintor, voou para bem perto dele. Isto para poder se olhar no espelho dos olhos de Pietro e saber se estava pronta (as borboletas dos olhos de Pietro são bonitas).
E estava. Estava linda e em pose de retrato. Era Importante para ela ser pintada por um menino. Isto porque lhe disseram que borboleta e menino se parecem em suas alegrias descontroladas.
No dia seguinte, a borboleta volta para ver seu pintor e encontra Petrus conversando com o quadro. Petrus não vê a borboleta chegar, tão preocupado estava com suas idéias e palavras. A borboleta se entristece. Parece difícil imaginar uma borboleta triste, mas é só pensar em dia amanhecendo que isto se torna possível.
Pether pintou a borboleta no momento em que ela batia muito as asas. Quem observa a borboleta nesse momento, pode pensar que a borboleta se sente muito pesada, com tanta cor para carregar. Luta para se equilibrar.
Ou quem sabe o mundo das borboletas é tão leve que não precisa de muita força?
A borboleta, apesar de sua tristeza, deu razão ao menino. Afinal de contas, pensou ela, aconteço tão pouco em vida de pessoas, que ninguém pode me tomar como amigo. Sou quase uma sugestão.
Mas mesmo assim, ela quis consertar o mal entendido. Tanto para o bem de sua tristeza, como para a solidão de Pedro, Peter ou Petrus.
Esperou que o menino dormisse e apagou com as asas a pintura. O papel ficou branco como o susto e pronto para receber outro pensamento de seu dono.
A borboleta esperou com outra pose lenta o acordar do menino. Peter abriu os olhos com a luz do dia e viu o papel branco e mais a borboleta solta no domingo.
Ele desenhou novamente a borboleta, mas desta vez com poucos traços.
Peter gastou muito tempo em observar os gestos da borboleta para retê-la melhor. Passou o resto da tarde amedrontado com a evaporação da tinta.
Sentiu que estava em dia de semana.
Durante a noite, a borboleta lavou novamente a pintura de Peter e esperou o sol nascer. Estava curiosa para saber do coração de Pierre.
Quando Pierre acordou viu o papel branco e a borboleta pousada num galho com as asas muito cansadas.
O menino não quis pincel nem nada. Passou o tempo todo olhando para a borboleta, tentando ficar com ela pela observação.
A borboleta ficou contente e o menino também. Ela acreditou que Petrus contava com ela em sua vida.
No dia seguinte, a borboleta não veio.
Ela quis provar a amizade do menino.
Mas para nossa surpresa, não houve tristeza.
Pedro pegou o pincel e pintou tantas borboletas quantas ele tinha na lembrança.
Não sei se você poderá acreditar, mas na medida em que o papel foi ficando repleto, as borboletas levantaram vôo.
E as borboletas partiam para todos os cantos do mundo. Aquela que gostava mais de calor, partia para a terra quente.
Aquela que gostava mais de neve, partia para a terra fria.
E cada uma delas escolhia um fundo de mundo para melhor realçar sua cor.
Se você conhece, em algum lugar, um menino chamado Pedro, ou nome semelhante, peça que ele lhe fale sobre borboletas. Vocês poderão tornar-se amigos através das coisas que ele sabe sobre elas.
E você, tendo um amigo como Pedro, que pinta borboletas, você terá também um coração cheio de domingo.
No domingo, não se precisa ver borboletas. Basta ter o vôo delas na lembrança, ou fazer bolas de sabão.
Arco-íris também serve.”
A Moça Tecelã, de Marina Colasanti
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os grandes pentes do tear para a frente e para trás, a moça passava seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida.
Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, por algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
- Uma casa melhor é necessária - disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. - Por que ter casa, se podemos ter palácio? - perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates de prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal, o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
- É para que ninguém saiba do tapete - disse. E antes de trancar a porta a chave advertiu: - Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio. E todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e espantado olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
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